domingo, 31 de julho de 2016

Insegurança e crises


Esboroam-se, sob os camartelos das revoluções hodier­nas, os edifícios da tradição ultramontana, cedendo lugar às apressadas construções do desequilíbrio, sem memória an­cestral, sem alicerce cultural.

Ruem, diante dos abalos da ciência tecnológica, o empi­rismo passadista e as obras da arbitrária dominação totalitá­ria, substituídos pelo alucinar das novas maquinações de aven­tureiros desalmados, perseguindo suas ambições imediatis­tas a prejuízo da sociedade, do indivíduo.

A política desgovernada exibe os seus corifeus, que se fazem triunfadores de um dia, logo passando ao anonimato, repletos de gozos e valores perecíveis, a intoxicar-se nos va­pores dos vícios e das perversões em que falecem os últimos ideais que ainda possuíam.

Os direitos humanos decantados em toda parte sofrem o vilipêndio daqueles que os deveriam defender, em razão do desrespeito que apresentam diante das leis por eles mesmos elaboradas, em desprezo flagrante às Instituições que se com­prometeram socorrer, por descrédito de si próprios.

A anarquia substitui a ordem e as transformações sociais apressadas não têm tempo de ser assimiladas, porque substi­tuídas pelos modismos que se multiplicam em velocidade ci­clópica.

Velhos dogmas, nascidos e cultivados no caldo da igno­rância, são esquecidos e nascem as idéias liberais revolucio­nárias, que instigam o homem fraco contra o seu irmão mais forte gerando ódios, quando deveriam amansar o lobo amea­çador, a fim de que, pacificado, pudesse beber na mesma fonte com o cordeiro sedento, que lhe receberia proteção dignifi­cadora.

As circunstâncias externas do inter-relacionamento das criaturas, fenômeno conseqüente ao desequilíbrio do indiví­duo, engendram no contexto hodierno a insegurança, que fo­menta as crises.

Sucedem-se, desse modo, as crises de autoridade, de res­peito, de honradez, de valores ético-morais, e a desumaniza­ção da criatura assoma nos painéis do comportamento, in­sensibilizando-a pelo amolentamento emocional ou exacer­bação, na volúpia do prazer e da violência conduzidos pelas ambições desmedidas.

As crises respondem pela desconfiança das pessoas, umas em relação às outras, pelo rearmamento belicoso de uns indi­víduos contra os outros, pela agressividade automática e atre­vida.

A queda do respeito que todos se devem, respeito este sem castração nem temor, estimula a indisciplina que come­ça na educação das gerações novas, relegadas a plano secun­dário, em que se cuidam de oferecer coisas, em mecanismos sórdidos de chantagem emocional, evitando-se dar amor, pre­sença, companheirismo e orientação saudável.

A crise de autoridade responde pela corrupção em todas as áreas, sob a cobertura daqueles que deveriam zelar pelos bens públicos e administrá-los em favor da comunidade, pois que, para tal se candidataram aos postos de comando, sendo remunerados pelos contribuintes para este fim.

Como efeito, os maus exemplos favorecem a desonestidade, discreta e pú­blica, dos membros esfacelados do organismo social enfer­mo, preparando os bolsões de miséria econômica, moral, com todos os ingredientes para a rebelião criminosa, o assalto a mão armada, o apropriamento indébito dos bens alheios, a insegurança geral. O que se nega em compromisso de direito, é tomado em mancomunação da força com o ódio.

Mesmo os valores espirituais do homem se apresentam em crise de pastores, e amigos, capazes de exercerem o mi­nistério da fé religiosa com serenidade, sem separativismo, com amor, sem discórdia na grei, com fraternidade, sem dis­putas da primazia, sem estrelismo.

Nas várias escolas de fé espocam a rebelião, as disputas lamentáveis, a maledicência ácida ou o distanciamento for­mando quistos perigosos no corpo comunitário.

O homem apresenta-se doente, e a sociedade, que lhe é o corpo grupal, encontra-se desestruturada em padecimento total.

As crises gerais, que procedem da insegurança individu­al, são, por sua vez, responsáveis por mais altas e expressivas somas de desconforto, insatisfação, instabilidade emocional do homem, formando um círculo vicioso que se repete, sem aparente possibilidade de arrebentar as cadeias fortes que o constituem.

Vitimado por sucessivos choques desde o momento do parto, quando o ser é expulso do claustro materno, onde se encontrava em segurança, este enfrenta, desequipado, inu­meráveis desafios que não logra superar. Chegando a idade adulta, ei-lo receoso, desestruturado para enfrentar a maqui­naria insensível dos dias contemporâneos, em que a eletrôni­ca e a robótica são conduzidas, porém, avançam, tomando o controle da situação e, lentamente, reduzindo-o a observador das respostas e imposições digitadas, apertando ou desligan­do controles e submetendo-se aos resultados preestabeleci­dos, sem emoção, sem participação pessoal nos dados reco­lhidos.

Noutras circunstâncias, ou em estado fetal, experimenta os choques geradores de insegurança, no comportamento da gestante revoltada diante da maternidade não desejada e até mesmo odiada.

O jogo de reações nervosas, as vibrações de­letérias da revolta contra o ser em formação, atingem-lhe os delicados mecanismos psíquicos, desarmonizando os núcle­os geradores do futuro equilíbrio, sob as chuvas de raios des­truidores, que os afetam irreversívelmente.

O que o amor poderia realizar posteriormente e a educa­ção lograr em forma de psicoterapia, ficam, à margem, sob os cuidados de pessoas remuneradas, sem envolvimento emo­cional ou interesse pessoal, produzindo marcas profundas de abandono e solidão, que ressurgirão como traumas danosos no desenvolvimento da personalidade.

A par dos fatores sóciomesológicos, outras razões são pre­ponderantes na área do comportamento inseguro, que são aquelas que procedem das reencarnações anteriores, malo­gradas ou assinaladas pelos golpes violentos que foram apli­cados pelo Espírito em desconcerto moral, ou que os pade­ceu nas rudes pugnas existenciais.

Assinalando com rigor a manifestação da afetividade tran­qüila ou desconfiada, aquelas impressões são arquivadas no inconsciente profundo, graças aos mecanismos sutis do pe­rispírito. O homem é um ser inacabado, que a atual existên­cia deverá colaborar para o aperfeiçoamento a que se encon­tra destinado. Faltando-lhe os recursos favoráveis ao ajusta­mento, torna-se uma peça mal colocada ou inadaptada na complexidade da vida social, somando à sua a insegurança dos outros membros, assim favorecendo as crises individuais e coletivas.

Por desinformação ou fruto de um contexto imediatista ­consumista, elaborou-se a tese de que a segurança pessoal é o resultado do ter, que se manifesta pelo poder e recebe a res­posta na forma de parecer. Todos os mecanismos responsá­veis pelo homem e sua sobrevivencia se estribam nessas pro­postas falsas, formando uma sociedade de forma, sem pro­fundidade, de apresentação, sem estrutura psicológica nem equilíbrio moral.

Trabalhando somente no exterior, relega-se, a plano se­cundário ou a nenhum, o sentido ético do ser humano, da sua realidade intrínseca, das suas possibilidades futuras, jacentes nele mesmo.

O homem deve ser educado para conviver consigo pró­prio, com a sua solidão, com os seus momentâneos limites e ansiedades, administrando-os em proveito pessoal, de modo a poder compartir emoções e reparti-las, distribuir conquis­tas, ceder espaços, quando convidado à participação em ou­tras vidas, ou pessoas outras vierem envolver-se na sua área emocional.

Desacostumado à convivência psíquica consciente com os seus problemas, mascara-se com as fantasias da aparência e da posse, fracassando nos momentos em que se deve en­frentar, refletido em outrem que o observa com os mesmos conflitos e inseguranças. As uniões fraternais então se desar­ticulam, as afetivas se convertem em guerras surdas, o matri­mônio naufraga, o relacionamento social sucumbe disfarça­do nos encontros da balbúrdia, da extravagância, dos exage­ros alcoólicos, tóxicos, orgíacos, em mecanismos de fuga da realidade de cada um.

A educação, a psicoterapia, a metodologia da convivên­cia humana devem estruturar-se em uma consciência de ser, antes de ter; de ser, ao invés de poder, de ser, embora sem a preocupação de parecer

Os valores externos são incapazes de resolver as crises internas, aliás, não poucas vezes, desencadeando-as.

O que o homem é, suas realizações íntimas, sua capacida­de de compreender-se, às pessoas e ao mundo, sua riqueza emocional e idealística, estruturam-no para os embates, que fazem parte do seu modus vivendi e operandi, neste processo incessante de crescimento e cristificação.

A coragem para os enfrentamentos, sem violência ou re­cuos, capacita-o para os logros transformadores do ambiente social, que deslocará para o passado a ocorrência das crises de comportamento, iniciando-se a era de construção ideal e de reconstrução ética, jamais vivida antes na sua legitimida­de.

Os conceitos do poder e da força estão presentes na siste­mática governança dos povos.

Sempre os militares governa­ram mais do que os filosóficos, e o poder sempre esteve por mais tempo nas mãos dos violentos do que na sabedoria dos pacíficos, gerando as guerras exteriores, porque os seus apa­niguados viviam em constantes guerras íntimas, inseguros, aguardando a traição dos fracos que, bajuladores, os rodea­vam, e a audácia dos mais fortes, que lhes ambicionavam o poderio, terminando, quase todos, vítimas das suas nefastas urdiduras.

A segurança íntima conseguida mediante o autodescobri­mento, a humanização e a finalidade nobre que se deve im­primir à vida são fatores decisivos para a eliminação das cri­ses, porqüanto, afinal, a descrença que campeia e o descon­certo que se generaliza são defluentes do homem moderno que se encontra em crise momentânea, vitimado pela insegu­rança que o aturde.