sábado, 12 de maio de 2018

O homem moderno


Buscando enganar a sua realidade mediante a própria fan­tasia, o homem moderno procura a projeção da imagem sem o apoio da consciência. Evita a reflexão esclarecedora, que pode desalgemar dos problemas, e permanece em contínuas tentativas de negar-se, mascarando a sua individualidade. O ego exerce predominância no seu comportamento e estereo­tipa fantasias que projeta no espelho da imaginação.

Irrealizado, porque fugindo do enfrentamento com o seu eu, transfere-se de aspirações e cuidados a cada novidade que depara pelo caminho. Não dispõe de decisão para desmasca­rar o ego, por temer petrificar-se de horror, qual se aquele fosse uma nova Medusa, que Perseu, e apenas ele, venceu, somente porque a fez contemplar-se no escudo espelhado que lhe dera Atena…

Obviamente, esse espelho representa a consciência lúci­da, que descobre e separa objetivamente o que é real daquilo que apenas parece. Nesse sentido, o ego que vive e reincide nos conteúdos inconscientes, necessita de conscientizar-se, desidentificando-se dos seus resíduos emergentes.

O homem vive na área das percepções concretas e, ao mesmo tempo, das abstratas.

A cultura da arte faz que ele se porte, ora como observa­dor, ora como observado e ainda o observador que se observa, a fim de poder transformar os complexos ou conflitos inconscientes em conhecimentos que possa conduzir, senhor da sua realidade, dos seus atos.

Sua meta é poder sair da agitação, na qual se desgoverna, para observar-se, a distância, evitando o sofrimento macerador.

A este ato chamaremos a separação necessária entre o sujeito e o objeto, através da qual se observam os aconteci­mentos sem os sofrer de forma dilacerante, modificando o estado de ânimo angustiante para uma simples expressão do conhecimento, mediante a transferência da realidade que jaz no espírito para o exterior das formas e da emoção.

A reflexão constitui um admirável instrumento para o lo­gro, apoiando-se na cultura e na realização artística, social, solidária, que desvela os mananciais de sentimento e de cons­ciência humanos.

Jogado em um mundo exterior agressivo, no qual predo­minam a luta pela sobrevivência do corpo e a manutenção do status, o homem acumula conteúdos psíquicos não descartá­veis nem digeríveis, avançando, apressado, para o stress, as neuroses, as alienações.

Acumula coisas e valores que não pode usar e teme per­der, ampliando o campo do querer, mais pelo receio de pos­suir de forma insuficiente, sem dar-se conta da necessidade de viver bem consigo mesmo, com a família e os amigos, participando das maravilhosas concessões da vida que lhe estão ao alcance.

A mensagem de Jesus é uma oportuna advertência para essa busca insana, quando Ele recomenda que “não se ande, pois, ansioso pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado; ao dia bastam os seus próprios males.”(*)

(*) Mateus: capítulo 6, versículo 34 – Nota da Autora espiritual.

Comedir-se, agir com sensatez e tranqüilidade, confiar nos próprios valores e nas possibilidades latentes são regras que vão ficando esquecidas, a prejuízo da harmonia pessoal dos indivíduos.

Os interesses competitivos postos em jogo, a aflição por vencer os outros, o sobrepor-se às demais pessoas desarticu­laram as propostas da vitória do homem sobre si mesmo, da sua realização interior, da sua harmonia diante dos proble­mas que enfrenta. As linhas do comportamento alteradas, in­duzindo ao exterior, devem agora ser revisadas, sugerindo a conduta para o conhecimento dos valores reais, a redescober­ta do sentido ético da existência, a busca da sua imortalidade.

Quando o homem moderno passar a considerar a própria imortalidade em face da experiência fugaz do soma, empre­enderá a viagem plenificadora de trabalhar pelos projetos du­radouros em detrimento das ilusões temporárias, observando o futuro e vivendo-o desde já, empenhado no programa da sua conscientização espiritual. Nele se insculpirá , então, o modelo da realização em um ser integral, destituído do medo da vida e da morte, da sombra e da luz, do transitório e do permanente, da aparência e da realidade.